Alguns livros, mesmo os não tão bons, têm partes que, por motivos diversos,

nos tocam mais profundamente. Esse blog é para colocar essa parte à parte.

.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Helmholtz em conversa com Bernard

"Não basta que as fórmulas sejam boas; o que se faz deve também ser bom."

Huxley, Adolf. Admirável Mundo Novo. Barcelona: Colecção Mil Folhas, 2003.

Compreensão x materialismo

"Existem, naturalmente, muitas pessoas que não se julgam materialistas e que, mesmo assim, consideram a conceituação racional a única espécie de compreensão possível. Tais indivíduos podem professar cosmovisões idealistas ou até mesmo espiritualistas, mas no fundo da alma sua atitude é materialista, já que o intelecto não deixa de ser o instrumento para compreender o âmbito material.
Um trecho do excelente livro pedagógico de Jean Paul, (...), ilustrará melhor a natureza mais profunda do ato de compreender. (...) O trecho que nos interessa aqui é o seguinte:
Não tenhais medo da incompreensibilidade, até de sentenças inteiras! Vossa fisionomia, a entonação de vossa voz e o intuitivo desejo dos discípulos de compreender deixarão clara uma metade, e o tempo fará com que eles acabem compreeendendo a segunda. Em crianças como em chineses ou outros povos de outras línguas, a entonação já é a metade da fala; lembrai-vos de que as crianças compreendem a língua antes da falá-la, como acontece conosco em relação ao grego ou qualquer outra língua. "
Steiner, Rudolf. A educação da criança: segundo a ciência espiritual. 5 ed. São Paulo: Antroposófica, 2012.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Tempo

"Alice suspirou cansada. 'Acho que você poderia aproveitar melhor o seu tempo', disse, 'em vez de desperdiçá-lo propondo charadas que não têm resposta.'
'Se você conhecesse o Tempo como eu conheço', disse o Chapeleiro, 'não falaria em desperdiçá-lo, como se fosse uma coisa. É um senhor.'
'Não entendo o que você quer dizer', disse Alice.
'Claro que não entende!', disse o Chapeleiro, atirando a cabeça desdenhosamente para trás. 'Acho que você nunca sequer falou com o Tempo!'
'Talvez não', respondeu Alice cautelosamente, 'mas sei que tenho de bater o tempo, quando estudo música.'
'Ah! Isso explica tudo', disse o Chapeleiro, 'Ele não suporta ser batido. Agora, se você mantivesse boas relações com o Tempo, ele faria quase tudo o que você quisesse com o relógio.[...]"

CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 95-96.

Objetos

"'Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?'
'Isso depende bastante de onde você quer chegar', disse o Gato.
'O lugar não me importa muito...', disse Alice.
'Então não importa que caminho você vai tomar', disse o Gato.
'...desde que eu chegue a algum lugar', acrescentou Alice em forma de explicação.
'Oh, você vai certamente chegar a algum lugar', disse o Gato, 'se caminhar bastante'.

CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 86.

Transformações pessoais

"'Receio não poder me expressar mais claramente', respondeu Alice muito polida, 'pois, para começo de conversa, não entendo a mim mesma. Ter muitos tamanhos num mesmo dia é muito confuso.'
'Não é', disse a Lagarta.
'Bem, talvez ainda não pense assim', disse Alice. 'Mas quando se transformar numa crisálida - o que vai acontecer um dia, sabe - e depois disso numa borboleta, acho que vai se sentir um pouco esquisita, não acha?'
'Nem um pouco', disse a Lagarta.
'Bem, talvez seus sentimentos sejam diferentes', disse Alice. 'O que eu sei é que eu iria me sentir esquisita'."

CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 63.

terça-feira, 4 de junho de 2013

A ciência do século XX

"Como disse Bertrand Russell, no século XX a matéria da ciência parece menos material, e a mente, menos mental".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 320.

Desejo

"Um homem bom morreu e, como era esperado, acordou em um local celestial. Como estava com fome, pediu comida a um atendente.
- Tudo que você tem de fazer para obtê-la é desejá-la - foi informado.
Maravilhoso! Mas, depois de ter saboreado o banquete de gourmet que desejara, ele se sentiu solitário.
- Eu quero um pouco de companhia feminina - disse ele ao atendente, e mais uma vez foi informado de que precisava apenas desejar o que queria. De modo que ele desejou e, mais uma vez, ficou contente durante algum tempo com sua bela companheira.
Mas, em seguida, começou a sentir-se entediado e, mais uma vez, procurou a atendente.
- Isto aqui não é o que eu esperava - queixou-se. - Pensei que a gente ficava entediado e insatisfeito apenas no inferno.
O atendente fitou-o e perguntou:
- Onde é que você pensa que está?"

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 310.

Amor

"Destarte, a máxima 'Ama a teu próximo como a ti mesmo' é inútil para a maioria de nós como código de comportamento, porque nós não nos amamos verdadeiramente e, por conseguinte, não sabemos, para começar, o que é o amor".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 308.

Upanishads - ego clássico e atman quântico

"Duas aves, unidas sempre e conhecidas pelo mesmo nome, agarram-se à mesma árvore. Uma delas come o doce fruto; a outra olha, sem comer".
Temos, nessas palavras, uma bela metáfora das duas extremidades do espectro do self; em uma, temos o ego clássico; na outra, o atman quântico. Em nosso ego, comemos o fruto doce (e amargo) do prazer mundano, aparentemente ignorantes de nossa modalidade quântica, que dá significado à nossa existência".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 279.

Altruismo e egoísmo

"Se eu não sou por mim, quem sou eu?
Se eu for só por mim, o que sou eu?".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 276.

Criatividade x computadores

"Criatividade é a gestação de algo novo em um contexto inteiramente novo. O caráter de novo do contexto é o elemento fundamental. E é este o problema enfrentado por pessoas que trabalham com a criatividade do computador. Computadores são muito competentes no reembaralhamento de objetos dentro de contextos fornecidos pelo programador, mas não podem descobrir novos contextos. Seres humanos podem fazer isso por causa da nossa consciência não local, que nos permite saltar para fora do sistema".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 265.

Sofrimentos: tédio, dúvida e dor

Coisa alguma, no entanto, é permanente neste mundo. Embora eu possa ter estado ontem no maior pique, hoje uma mordida do demônio tricéfalo das aflições universais pode ter me enchido de aborrecimento. As três cabeças do demônio são: tédio, dúvida (conflito) e dor.
O que fazemos quando o sofrimento se apossa de nós no curso da vida diária? Se continuamos fascinados por nós mesmos, cultivamos fugas. Em uma fuga às vezes obsessiva do tédio, buscamos uma novidade - uma nova companhia ou um novo videogame - como um escudo contra aquele demônio particular. Para evitar a dor do desconforto, vamos atrás do prazer: alimento, sexo, drogas, tudo isso. E nos ancoramos em sistemas fechados de crença, como um seguro para prevenir a dúvida. Coitados de nós, todos esses esforços representam apenas mais condicionamento.
Tentar solucionar os problemas do vazio interior e da dúvida com plenitude externa ou rigidez interna é um método clássico, materialista. Se pudermos mudar o mundo (e os outros, como parte desse mundo), não teremos de mudar a nós mesmos. Ainda assim, uma vez que a realidade não é estática, nós mudamos: tornamo-nos cínicos ou escorregamos para uma desesperança embotadora da mente. Flutuamos entre picos e fossas, vales e montanhas, e a vida se torna uma viagem numa montanha-russa, um melodrama barato, uma novela de televisão".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 272.

Krishna desafia Arjuna, no Bhagavad Gita

"Mude seu paradigma; você tem de chegar criativamente a uma nova compreensão, de modo que possa lutar sem o conflito que o paralisa".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 263.

Livre-arbítrio na física quântica

"A consciência identifica-se com o processador aparente das respostas aprendidas, isto é, o ego; a identidade, porém, jamais é completa. A consciência sempre deixa algum espaço para a novidade incondicionada. Esse fato torna possível o que conhecemos como livre-arbítrio".

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 240.

Parábola do condicionamento x self quântico

"Era uma vez uma mulher que acreditava na mecânica e na lógica clássicas. A conversa de muitos de seus amigos, e ocasionalmente até do marido, sobre filosofia idealista, misticismo e coisas assim deixavam-na embaraçada e constrangida.
Em seus relacionamentos com pessoas, não conseguia entender o que elas queriam. Sempre tratou bem os pais, mas eles queriam que ela compartilhasse a si mesma com eles. E ela não sabia o que eles queriam dizer com isso. Ela gostava de sexo com o marido, mas ele falava demais sobre confiança e amor. Que eram simplesmente palavras. Qual a utilidade de palavras como essas? Às vezes, acordada depois de ter feito amor com o homem que era seu marido, sentia-se inundada por sentimentos de ternura emocional. Imaginava que esses sentimentos eram do mesmo tipo que faziam seus pais olharem-na, às vezes, em um silêncio enevoado de lágrimas. E ela odiava o sentimentalismo de tudo isso.
Não podia compreender por que alguns amigos procuravam significado em suas vidas. Alguns deles falavam incessantemente em amor e em estética. E ela era obrigada a controlar o riso, com medo de ofendê-los, pois tinha certeza de que eles estavam sendo ingênuos. Não havia, pensava, amor algum fora do sexo. Ainda assim, quando fitava distraída o oceano, sentia-se dissolver em um sentimento de unidade com a vastidão das águas. Nessas ocasiões, perdia um momento ou dois de sua existência e imergia em amor. E odiava e temia esses momentos.
Tentara comunicar uma ou duas vezes essa inquietude, mas seus confidentes haviam falado em tons tranquilizadores de seu self quântico interior, que se situa além do ego comum. Ela jamais acreditaria em algo tão vago assim. Mesmos que tivesse algum tipo de self interior, não queria nada com ele. Certo dia, porém, ouviu falar em uma poção recém-descoberta, que desligaria o indivíduo do self quântico. E saiu à procura do indivíduo que inventara tal poção.
- Sua poção me permitiria desfrutar o sexo, sem me sentir sentimental sobre o amor?
- Permitiria - disse o inventor da poção.
- Eu não consigo suportar a insegurança de confiar nos outros. Prefiro contar com trocas compensatórias e reforços. Sua poção me permitiria viver a vida sem ter de confiar nos outros?
- Permitiria - respondeu o inventor.
- Se eu tomar sua poção poderei relaxar na beleza do oceano, sem ter de lidar com os sentimentos do chamado amor universal?
- Sempre - garantiu o inventor.
- Então, sua poção é justamente o que eu quero - disse ela, agarrando-a sofregamente.
Passou-se o tempo. O marido começou a notar uma mudança nela. O comportamento era mais ou menos o mesmo, mas ele não podia, como dizia, sentir-lhe as vibrações, como antes. Certo dia, ela lhe disse que tomara uma poção para desconectar seu self quântico. Imediatamente, ele procurou o homem que dera a poção à esposa. Queria que ela recuperasse sua criatividade quântica.
O homem que fornecera a poção ouviu-o durante algum tempo e, em seguida, disse:
- Vou lhe contar uma história. Havia um homem que tinha uma dor insuportável em uma das pernas. Os médicos não conseguiam encontrar a cura. Finalmente, decidiram amputá-la. Após longas horas sob anestesia, o paciente acordou e viu o médico fitando-o de modo esquisito. Ainda não se sentindo muito bem, perguntou: 'E então?'.
'Tenho algumas boas e más notícias para você. Em primeiro lugar, a má notícia: nós amputamos a perna errada'. O paciente fitou-o, sem compreender, mas o médico cuidou logo de tranquilizá-lo. 'E, agora, a boa notícia: a perna ruim não está tão ruim assim. Não há necessidade de amputá-la. Você poderá usá-la.'
O marido pareceu confuso. O homem que administrara a poção à esposa continuou:
- Sua esposa não gostava da incerteza criativa da vida, que acompanha o self quântico, de modo que a expulsou de si. Ela preferiu andar com uma única perna, por assim dizer. Esta é a má notícia para o senhor. Mas, agora, a boa: eu tenho um remédio para maridos como o senhor. Posso condicioná-la para dotar o comportamento sentimental que dela deseja. Com meu treinamento, ela lhe dará chá e simpatia.
O marido ficou felicíssimo. E assim foi feito. A mulher pareceu ter voltado a ser o que era. Ocasionalmente, sussurrava palavrinhas de amor, como fizera antes da poção. Mas o marido 'sentimental' continuava sem lhe sentir as vibrações.
Em vista disso, voltou ao homem que dera a poção à esposa e lhe ensinara o comportamento carinhoso.
- Mas eu não estou realmente satisfeito apenas com comportamento. Eu quero alguma coisa inefável... quero sentir-lhe as vibrações - lamentou-se.
Ao que o homem respondeu:
- Só há uma coisa a fazer. Posso lhe dar a poção e, sem seguida, treiná-lo, como fiz com sua esposa.
Uma vez que não havia alternativa, o marido concordou. E o casal viveu feliz para todo o sempre. Ninguém na cidade jamais vira sequer um casal mais carinhoso. (...)
Não se preocupem, essa poção jamais será encontrada. Ainda assim, condicionamento comportamental, cultural, político e social incessante funciona, de fato, como a poção química da parábola ao aguilhoar o potencial que o self nos oferece. De modo que a pergunta seguinte é: como podemos assumir a responsabilidade pelo conhecimento emergente, de que somos mais do que o materialismo reconhece?"

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 232-235.