Alguns livros, mesmo os não tão bons, têm partes que, por motivos diversos,

nos tocam mais profundamente. Esse blog é para colocar essa parte à parte.

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Linguagem

"Todas as nossas línguas são frutos da arte. Durante muito tempo. Durante muito tempo se procurou saber se havia uma língua natural e comum a todos os homens. Sem dúvida, existe uma: é a que as crianças falam antes de saber falar. Não é uma língua articulada, mas é acentuada, sonora e inteligível.
(...)
À linguagem da voz junta-se a do gesto, não menos enérgica. Esse gesto não está nas débeis mãos das crianças, está em seus rostos. É espantoso como essas fisionomias que mal se formaram já têm expressão. Seus traços mudam de uma hora para outra com rapidez inconcebível; neles vedes o sorriso, o desejo, o terror nasceraem e passarem como relâmpagos e a cada vez credes ver um novo rosto. Certamente elas têm os músculos da face mais móveis do que nós. (...)
A criança sente as suas necessidades e, não podendo satisfazê-las, implora o socorro de alguém através dos gritos: se tem fome ou sede, chora; se sente muito frio ou muito calor, chora; se precisa de movimento, mas a mantêm em repouso, chora; se quer dormir, mas a agitam, chora. Quanto menos dispôe de sua maneira de ser, mais ela exige que a mudem. Só tem uma linguagem, porque só tem por assim dizer, um tipo de mal-estar; na imperfeição de seus órgãos, não distingue suas diferentes impressões. Todos os males formam para ela uma sensação de dor.
Desse choro, que acreditaríamos ser tão pouco digno de atenção, nasce a primeira relação do homem com tudo o que o cerca. Aqui se forja o primeiro elo da longa cadeia de que é formada a ordem social".
Rousseau, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. 3 ed. Martins Fontes: São Paulo, 2004. p. 53-54.

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