Alguns livros, mesmo os não tão bons, têm partes que, por motivos diversos,

nos tocam mais profundamente. Esse blog é para colocar essa parte à parte.

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terça-feira, 4 de junho de 2013

Parábola do condicionamento x self quântico

"Era uma vez uma mulher que acreditava na mecânica e na lógica clássicas. A conversa de muitos de seus amigos, e ocasionalmente até do marido, sobre filosofia idealista, misticismo e coisas assim deixavam-na embaraçada e constrangida.
Em seus relacionamentos com pessoas, não conseguia entender o que elas queriam. Sempre tratou bem os pais, mas eles queriam que ela compartilhasse a si mesma com eles. E ela não sabia o que eles queriam dizer com isso. Ela gostava de sexo com o marido, mas ele falava demais sobre confiança e amor. Que eram simplesmente palavras. Qual a utilidade de palavras como essas? Às vezes, acordada depois de ter feito amor com o homem que era seu marido, sentia-se inundada por sentimentos de ternura emocional. Imaginava que esses sentimentos eram do mesmo tipo que faziam seus pais olharem-na, às vezes, em um silêncio enevoado de lágrimas. E ela odiava o sentimentalismo de tudo isso.
Não podia compreender por que alguns amigos procuravam significado em suas vidas. Alguns deles falavam incessantemente em amor e em estética. E ela era obrigada a controlar o riso, com medo de ofendê-los, pois tinha certeza de que eles estavam sendo ingênuos. Não havia, pensava, amor algum fora do sexo. Ainda assim, quando fitava distraída o oceano, sentia-se dissolver em um sentimento de unidade com a vastidão das águas. Nessas ocasiões, perdia um momento ou dois de sua existência e imergia em amor. E odiava e temia esses momentos.
Tentara comunicar uma ou duas vezes essa inquietude, mas seus confidentes haviam falado em tons tranquilizadores de seu self quântico interior, que se situa além do ego comum. Ela jamais acreditaria em algo tão vago assim. Mesmos que tivesse algum tipo de self interior, não queria nada com ele. Certo dia, porém, ouviu falar em uma poção recém-descoberta, que desligaria o indivíduo do self quântico. E saiu à procura do indivíduo que inventara tal poção.
- Sua poção me permitiria desfrutar o sexo, sem me sentir sentimental sobre o amor?
- Permitiria - disse o inventor da poção.
- Eu não consigo suportar a insegurança de confiar nos outros. Prefiro contar com trocas compensatórias e reforços. Sua poção me permitiria viver a vida sem ter de confiar nos outros?
- Permitiria - respondeu o inventor.
- Se eu tomar sua poção poderei relaxar na beleza do oceano, sem ter de lidar com os sentimentos do chamado amor universal?
- Sempre - garantiu o inventor.
- Então, sua poção é justamente o que eu quero - disse ela, agarrando-a sofregamente.
Passou-se o tempo. O marido começou a notar uma mudança nela. O comportamento era mais ou menos o mesmo, mas ele não podia, como dizia, sentir-lhe as vibrações, como antes. Certo dia, ela lhe disse que tomara uma poção para desconectar seu self quântico. Imediatamente, ele procurou o homem que dera a poção à esposa. Queria que ela recuperasse sua criatividade quântica.
O homem que fornecera a poção ouviu-o durante algum tempo e, em seguida, disse:
- Vou lhe contar uma história. Havia um homem que tinha uma dor insuportável em uma das pernas. Os médicos não conseguiam encontrar a cura. Finalmente, decidiram amputá-la. Após longas horas sob anestesia, o paciente acordou e viu o médico fitando-o de modo esquisito. Ainda não se sentindo muito bem, perguntou: 'E então?'.
'Tenho algumas boas e más notícias para você. Em primeiro lugar, a má notícia: nós amputamos a perna errada'. O paciente fitou-o, sem compreender, mas o médico cuidou logo de tranquilizá-lo. 'E, agora, a boa notícia: a perna ruim não está tão ruim assim. Não há necessidade de amputá-la. Você poderá usá-la.'
O marido pareceu confuso. O homem que administrara a poção à esposa continuou:
- Sua esposa não gostava da incerteza criativa da vida, que acompanha o self quântico, de modo que a expulsou de si. Ela preferiu andar com uma única perna, por assim dizer. Esta é a má notícia para o senhor. Mas, agora, a boa: eu tenho um remédio para maridos como o senhor. Posso condicioná-la para dotar o comportamento sentimental que dela deseja. Com meu treinamento, ela lhe dará chá e simpatia.
O marido ficou felicíssimo. E assim foi feito. A mulher pareceu ter voltado a ser o que era. Ocasionalmente, sussurrava palavrinhas de amor, como fizera antes da poção. Mas o marido 'sentimental' continuava sem lhe sentir as vibrações.
Em vista disso, voltou ao homem que dera a poção à esposa e lhe ensinara o comportamento carinhoso.
- Mas eu não estou realmente satisfeito apenas com comportamento. Eu quero alguma coisa inefável... quero sentir-lhe as vibrações - lamentou-se.
Ao que o homem respondeu:
- Só há uma coisa a fazer. Posso lhe dar a poção e, sem seguida, treiná-lo, como fiz com sua esposa.
Uma vez que não havia alternativa, o marido concordou. E o casal viveu feliz para todo o sempre. Ninguém na cidade jamais vira sequer um casal mais carinhoso. (...)
Não se preocupem, essa poção jamais será encontrada. Ainda assim, condicionamento comportamental, cultural, político e social incessante funciona, de fato, como a poção química da parábola ao aguilhoar o potencial que o self nos oferece. De modo que a pergunta seguinte é: como podemos assumir a responsabilidade pelo conhecimento emergente, de que somos mais do que o materialismo reconhece?"

GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008. p. 232-235.

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